quinta-feira, 19 de setembro de 2013

quão perto do outro estou que me quedo

Domingos Fernandes

...
em tempos de trovoadas
cumprira-se tudo, sem êxtases,
e depois falava-se do universo,
simplesmente,

como se os mistérios da implosão fossem tão difíceis de entender,

maiores que os do fundo do mar, descansos internos,
por prescrições esbanjadas sem ritmo,
música.

Enormes gritos sufocados pelos amares distantes,
onde o odor das alfazemas persistia eternamente em coro,
repetindo refrões;
tenho-te em mim quão perto este mar ,
saber-te-ei sempre, mais uma maré além”,
éramos.

Do corpo morto de melissa nasceram abelhas,
sobreviveu um poema,

e perco a razão por entre as frestas das janelas entreabertas
sobre um horizonte encrespado, sem destino,
sem sentido o que as palavras escondem a cada baloiçar,
que tu chamas de navegar.

Nem dos meses por onde regresso,
me recordo,
adernando a estibordo a madeira apodrecida,

nem do tombar da noite pelo avivar de um único reflexo.

[quão perto do outro estou que me quedo],
finalmente,

dirás.

Bífido.






Nota:
Melissa, era sacerdotisa de Deméter e foi iniciada pela deusa em seus mistérios. As outras sacerdotisas quiseram que ela lhes revelasse o que tinha visto. Mas tendo Melissa se recusado, foi despedaçada pelas companheiras. Como castigo Deméter enviou uma praga à cidade e do corpo da morta fez nascer as abelhas.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

os lírios voam sem destino jamais serão aves migrantes

Annalisa Albuzzi

desenraízo-me do mar e regressam à superfície os uivos e os gritos antes afogados destapando versos arrítmicos que jamais terminam de preencher as paredes um dia brancas,

ficam a boiar as sementes de papoula que as mãos antes
retinham,
por todas as estações em flor,

um longo adeus, apenas o olhar reflete a alma,
dirás.

Que assim seja,
o silêncio.

Dispersam-se as linhas do horizonte, inexplicáveis,
exaltam-se esconderijos do salso reino,
cantos perdidos a cada dia, espalhando-se como
murmúrios, sussurros, pragas
rompendo as redes de pesca que se afundam como a noite impenetrável,

acenderei santelmos no meio de nevoeiros que escondem os ventos de terra,

delimitando espaços,
buscando novas rotas, ou outras, tanto se me dá.

Ruem as foices do tempo pela matina,
sim, sorrir-te-ás,

que seja assim,
a escuridão.

[os lírios voam sem destino jamais serão aves migrantes...]