quarta-feira, 31 de julho de 2013

quando semeias os ventos

Luis Gonzaga

quando semeias os ventos

Quando semeias os ventos
que ondulam algumas searas adormecidas,

galopam cavalos árabes pelos areais distantes,
que se aproximam pelos sons em silêncio,

,e sinto-te mar,
quando me naufrago pelas palavras.

Observo o cansaço em vão,
visito botequins abandonados,
miro relógios parados sem irritantes ponteiros,
garrafas vazias, o vinho derramado

dos tempos infinitos findos e recomeçados,
distanciados de um cais a ruir,
redutores que sejam
nesses nadas sem significado.

Fala-me do grito dos lírios, das ruas e vielas,
dos rios que nascem do mar entrincheirados pelas margens.

Fala-me do outro que nasce neste eu moribundo.








sexta-feira, 26 de julho de 2013

senti-lo-à o tejo pelas partidas

Misheye - Christian Pearson Photographer Artist 

É pelas alvoradas adormecidas que me ausento,
ausências sem destino,

senti-lo-à o tejo pelas partidas, relembra-me.

E,
os atlantes que deveriam sustentar um céu de escuridões,
ouvem os sons das lágrimas,
tocando o seco areal que as marés cobrirão,
algures,

sem nexo,
sem mores esperanças que um dia,
algum dia,
as tágides voltem a cantar aos que regressam, regressa-me.

Saber-me-ei longe de tão longe,
como as aves que migram buscando os equinócios,
apenas um que seja,

apenas um que me aqueça e me farte em redemoinhos
aos pavores dos ventos, que calam os cometas, cala-me.

Silêncios.

Ruem sonhos, num rorejar farto pelo salso mar em azul,
e,

mais longe ainda,
algumas improváveis tempestades desabrigam-se pelo branco das janelas onde se pintam as tuas orquídeas, desabriga-me apenas por esta noite,

deixa-me ser o verso que treme.

Pudesse eu ser.








... senti-lo-há o Nilo
Pode-lo-há o Indo ver, e o Gange ouvi-lo”
(Camões “Os Lusíadas” canto XXXIII)

quinta-feira, 25 de julho de 2013

regressa-me o esvoaçar do cheiro das tílias

Infalivelmente com a alba,
regressa-me o esvoaçar do cheiro das tílias,
eliminando alguns impossíveis de tão longínquos,

vertentes deste mar sem fim, ou destino.

Existirá sempre mais uma maré, mais um horizonte,
além, ali, aqui,
e quando miro as ondulações símiles às pétalas espalhadas em desalinho,
tocam-me as tuas mãos sossegando-me em sorriso.

Nadas.

E digo-te;
os ventos alísios serão sempre os desejados,
como uma prece regateada de tão longe,
um cais algures, um destino nenhures, tanto deserto em volta.

Quedam-se os corpos antes expectantes,
que se encabritavam em metamorfoses pelas síncopes do dia em versos liquidados,
sem remissão,

e o orvalho de antes converte-se em tempestade,

regressam procelas pelo ocaso,
acolhe-me em sussurro breve, eliminando estes impossíveis imparáveis,
insepultos,

eu.


Sobrevive-me.







"Quando me instalo na aldeia - e nunca será para menos do que os três meses de Verão - hei-de levantar-me infalivelmente com a alba", Aqulino Ribeiro

segunda-feira, 22 de julho de 2013

os poetas têm permissão para mentir

Foto de Domingos Fernandes

Nascem em hexágonos os favos das abelhas,
pelas escadas que se cruzam, sobem sem destino,

quando descem, tocam mares um dia revoltos.

Se me falares das procelas, conta-me dos silêncios das escarpas,
onde adamastores dormem escondidos pelo nevoeiro,

ou que os poetas têm permissão para mentir
num deserto de palavras que as areias escondem,
se também ressurgirem os ecos,
acompanhando as náiades por rios e fontes,

liberta as noites em que ouvíamos as estrelas falar.

Mesmo que queira escrever contra o que me lembro,
o perfume das violetas tardias aparece sempre neste horizonte insepulto que termina em cascata interminável,

tudo recomeça uma outra vez,
0 tempo eterniza-se,

e eu,

regressar-me-ei pelos ventos de norte, 

que um dia,

mar afora me levaram.






Nota:

“Os poetas têm sempre permissão para mentir”, Plínio O Velho.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Das palavras perdidas

Foto de Carlos Cruz


Das palavras perdidas adornadas em sussurros,
pintam-se algumas telas suspensas num quarto deserto,
despovoados os barulhos ali fora, tão perto,
absurdos os ecos julgados revelados de tão omissos, tão perto,

não encontrarei um universo, isso não é para mim,
nem ctónico que seja, nem revelado pelas vicissitudes dos impossíveis medos,
saberei dos gritos, dos gestos que me revelaste
anestesiando o mar em sobressalto.

Poder-te-ia imaginar, apenas
numa pausa do olhar, perene o olhar,

e a mesma voz outrora débil, clamaria em trovão pelo ondear
neste entardecer deserto.

E se não houverem mais palavras?

Ficará esta hemorragia que nos persegue mar adentro, sei-o
pelo desfalecer das velas enfunadas mirrando a cada ventania,

tão símiles aos grãos de areia secos pelo sol a pique.

Avisa-me da chegada dos nenúfares perfeitos quando a matina te clarear os sonhos,


clareia-me o hoje.









Nota:

Ctónico - debaixo da terra, palavra associada a mitos, monstro. As fúrias Hécates, Medusa, habitavam o mundo inferior associadas ao inferno


segunda-feira, 15 de julho de 2013

E, habitas-me


Habitas-me
com as malas, as viagens, esses livros rasgados,
apocalipses teus, nossos, revelações em nevoeiros
que teimam em ficar,
como se só o tocar não fosse além de um nenhures uma vez imaginado,

única vez.

E, desarrumas-me,

não saberei escrever da coragem, da solidão,
das noites que se perdem, das que se bastam
quais andorinhas em voos rasantes,
tantas as palavras escondidas procurando significados ou imagens refletidas,

silêncios acompanhados.


E, toca-me a alvorada esquecida,

desassombra-me colando os pedaços,
estilhaços espalhados pelo chão de madeira,
um dia em árvore, um dia em barco
vogando conforme a direção dos ventos de norte em procelas sem fim.

E, desço,

pelas margens do mar , os mesmos lugares
que se repetem, as mesmas noites que ficam
paradas ansiosas, expectantes,

querendo que a luz não se extinga mesmo sabendo-me aprisionado.

Habitas-me,
e, desarrumas-me,

por uma última vez, única, revelo-me.







Nota:

Down de Pearl Jam um tributo a Howard Zinn

Down
Down. Fall by the wayside no getting out.
Down. Cry me a river dried up and dammed.
The names can be changed but the place is still the same.
I am loaded. Told that all's for naught. Holds me down.
Rise. Life is in motion. I'm stuck in line.
Rise. You can't be neutral on a moving train.
One day the symptoms fade. Think I'll throw these pills away.
And if hope could grow from dirt like me. It can be done.
Won't let the light escape from me.
Won't let the darkness swallow me.
So long.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

e depois


Eis-me perto de ti, somos artefatos

embriagados por um reles vinho tinto tragado,
numa taberna escura, algures
nesse tempo interminável, sem regressos,
sem esquecimentos,
apenas o som de um piano,
apenas as sombras que se movimentavam, perdidas,

e depois,

o cheiro da maresia que se misturava,
o mar quebrava amuradas,
as sombras escondiam-se pelos cantos,
o silêncio deixava de existir

pelos corpos que se roçavam, disputavam
cada poro.

Repudiava-se o tempo perdido do vómito
inundando o olhar,
quão anjo quanto inverno teimando em ficar,

renunciava-se à alvorada longínqua
que se entranhava pela noite sem permissão,

e depois,

a tatuagem eternizava-se,
qual cor negra dos cavalos frísios,

tanto o mar, que quebrava amuradas,

em apoteose.


Eis-nos extasiados pelas longitudes daquelas madrugadas em que ficávamos olhando o suave espreguiçar das orquídeas em flor. Apenas.