terça-feira, 29 de janeiro de 2013

,algures, tardiamente



,que o tempo não pare, nem deixe de parir tempos!

(I)

,e eu abrando,
repetem-se cenas, visões, nenhures imaginados,
criações sem nuvens em redor, ou alfazemas do campo
agarradas à terra seca, gretada,

,e eu abrando,

,o amar torna-se ridículo,
quando regressam os odores conhecidos,
como se à tarde existisse sempre, sempre
um esconder do sol,

,ou um poema por ler.

(II)

,transmuda-se a pele em escamas,
pela viagem sem partida, sem gestos,

mímica que os nevoeiros escondem,
tapam,
,lenços brancos esvoaçam símiles a bandos
de pássaros em migração constante, sem tino,
sem rota,
loucos.

(III)

,quantos os loucos.

(IIII)

,um dia abate-se o céu pelo peso das estrelas,

,eu, abrandar-me-ei,

agitando esse pó que me cobrirá
inexoravelmente,
implacável o ondear sem reflexo, nexo,

figuras, sombras, pessoas,

uma amálgama que se debaterá então.

,o tempo parará a loucura,
,as aves morrerão em pelo voo, suspensas,
acamadas nos cirros estáticos, eternizados,
enraizados no parir dos tempos.

(IIIII)

,e eu repetirei-me-ei,
,sem pejo, impedimento;

-As amendoeiras renasceram em flor, algures, tardiamente.”


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

,geme a ondulação

a vida é sempre a perder”, será?



,refundem-se os ecos por entre nuvens
em cirros adormecidos,
nesta procela sempre presente.

,os ecos presentes, agitam-se, agigantam-se.

(I)

,da afonia o grito estrebucha
pelas rochas escondidas em preia-mar,
qual vinho sorvido sem gestos,

dispensam-se palavras gastas,
tantas as ausências

que se atravessam, breves vaus abandonados
por um mar em calmarias, vazadas.

(II)

,quisera-se um dia o nevoeiro escondendo faróis,
imaginados,
sôfregos das inúteis salvações, naufrágios,

,quiseram-se apenas veleidades travestidas de vontades tantas,

e a vontade presente que seja absurda.

,os corpos, o mar, os náufragos, os outros,

que o outro seja, jamais um eu.

(III)

Afinal, acordo-me em sonho,
rendo-me, despojo-me, desnudo-me

nesse desfraldar das velas ufanadas, aprisionadas
ao estático mastro,

(IIII)

[geme a ondulação, regressa o tempo parado, presente,
presente...].







Textos de Francisco Duarte


quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

,quando o mundo renasce de pernas para o ar

                                                                                              Costa de Caparica

,fala-me do inferno,

não do dantesco ou do satânico,
fala-me do teu, do que te corrói o corpo,
apodrece,

(I)

,ensina-me da vida,
da alegria, do sorriso, da viagem interminável
sem procelas tantas.

,ensina-me a andar,
revelando-me os caminhos dos luzeiros,
numa noite acesos, pelo desmemoriado tempo
presente, ou,

do cheiro das açucenas em flor,
das amendoeiras brancas pelo inverno,
ou do areal sem pétalas, sem orquídeas esvoaçando
sobre a espuma do repentino ondear.

,e,

(II)

,quando o mundo renasce de pernas para o ar,
pela madrugada,
lembro-me de ouvir o teu mar,

em sussurro,
em murmúrio, sem pausas.

,hoje,

(III)

,no dia em que as palavras se libertaram,
antes que o silêncio as autoflagelasse,
escrevo-te,

[seja sorriso, seja-te apenas um sorriso...].







Textos de Francisco Duarte por Ricardo Pocinho


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

,abana os ventos

Nenad Saljic, “The Matterhorn”, National Geografic

,revela-me a noite

(I)

como se a perfeição existisse,
sem adjetivo, sem palavra,

e envolve-me nesse manto feito teu corpo.

,sempre soube das pedras perdidas pelo mar,
das montanhas submersas, inóspitas,
isoladas,

quais armadilhas de navegante,
,as visões.
...
(II)

,abana os ventos

,abana-os em rodopios, revira-os,

que quebrem os mastros libertando as velas gastas,

e, no final,

que o barco se arpoe mar adentro.

,revela-me o dia,

(III)
...
um dia,

a cada segundo, em cada momento,

faz-me recordar o que sempre quis
esquecer,

este esquecimento de mim.

(IIII)

,[e envolve-me nesse manto feito corpo teu],

só.





Textos de Francisco Duarte