sábado, 30 de junho de 2012

[ … e quando me morro contorce-se o cansaço

            Nordeste da Índia chuvas monção Biju Boro/AFP                   

e quando me morro contorce-se o cansaço
Que se encabrita pela pele já gasta.
E morro-me tantas vezes como as ondas do mar.

E morro-me tantas vezes longe da terra
Que sangra desnudada dos queixumes
Deixados pelo grito meu, esquecido no meio das searas.

Fulgem repentinas tempestades que se acalmam,
Quando ressurge o fugidiço poente pela proa,
Regressam os recantos que ainda sobrevivem.
Agonizantes.

Morro-me assim, tantas são as vezes,
Quão longe estou das orquídeas tuas.

Quanto mais perto do mar estou, mais longe de ti sou,
Assim me morro,
Pudesse eu morrer-me de vez,
O coração?

Adiei-o.




[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)] 

quinta-feira, 28 de junho de 2012

[ … da cor a cereja que deixaste

Árvore do cerrado brasileiro, Jaime Dantas

da cor a cereja que deixaste,
pelas alvas paredes do quarto

abriu-se a janela a mar,
e nestas divisões desertas que o meu corpo encerra,
fulgiu, tremelicando, a estrela da manhã.

Cauto seja o vento que entra repentino,
trazendo os corais e as madreperolas que sobraram
um dia,

como cada ilusão, como cada sonho
que a insónia escondeu.

Resiste o gorjear da cotovia,
que ouço ao longe,
resiste o mar que sei ao alcançe da mão,

a cor a cereja que deixaste,
ainda hoje me sorri pela noite
quando a tempestade abana os pilares.

Das manhãs, levarei os pássaros que entram no crepúsculo pela janela aberta a mar;
das manhãs, levarei as núvens onde eles adormecem que deixastes espalhadas por todos os cantos meus;

[resistir-me-ei à noite].




[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]


A Deeper Shade of Blue


domingo, 17 de junho de 2012

[ … é-me longínqua a linha do horizonte


é-me longínqua a linha do horizonte,
que escaqueira a ondulaçao invisivel do sonho manso,

mansidão que se deseja encabritar em ânsias,
mas que se atrofia sem beijo, sem toque ou cheiro,
destinos incumpridos, direi.

Nos olhos extasiados pela longitude,
prometem-se outros mundos férteis em belezas, desertos
de almas, ou de olhares, prometer-me-ei um dia.

Destinos, direi.

Os homens lançam-se ao mar, sem temer a preia-mar,
as mulheres de negro miram o céu que se abre em azul,

ajoelham-se como pedintes, cumpridores do ser em súplica,
e mesmo rastejando pelo areal,
jamais serão envolvidos pelo ténue abraço do sol que
insiste em permanecer, vão-se as visões,

ouve-se o ranger da madeira, os solavancos da ondulação,
- mar arriba... mar arriba!”, grita-se,
e o leme que antes roçava as areias, orienta rota,

nada, apenas direi.

Resto-me apenas, o olhar[?]

extasiado, direi.




[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]

quinta-feira, 7 de junho de 2012

[… e quão perto se quer o mar em mim

             Do Álbum de Surya Prakash, no Facebook, Nova Délhi

e quão perto se quer o mar em mim,
e quão inerme me deixa quando longe se espraia.
Era-me o vento bonança quando o pisavas descalça
anunciando chegadas, e repetias;
- o mar não tem quintais, nem latifúndios, as pessoas não moram lá, morrem-se por lá!”

Pudesse eu deslizar-me pelas espumas do mar
sem ruído,
pudesse o céu abrir-se de par em par, como um sorriso
inocentado pelas derivas constantes das correntes,

pudesse eu morrer-me por ti,
perto do mar.

Fundeei-me nesta letargia momentânea, sem visão,
apenas restaram algumas orquideas que vogaram até mim,

suavemente,
silenciosamente,

e,
enquanto as recolhias descalça e núa,
era-me longinquo o marulhar do mar em mim,

tão perto dos silêncios teus.







[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]


sábado, 2 de junho de 2012

[… quando esqueces as palavras

Monteverde Cloud Forest, Costa Rica 2000

quando esqueces as palavras pela noite tardia,
tacteias à deriva pelas marés os sons dos sussurros,
que,

fugitivos,

se escondem pelas frestas da parede em madeira,

e por mais que queiras adormecer,
os ventos esculpidos no teu peito perscrutam,
aquelas outras ondas que dançam em mim.

Também eu me morrerei sem lápide, nesta imanência longe de mim,
desconhecida, que me oprime,

e se o amar um dia se saciar, mesmo sangrando
das palavras que esqueceste pela noite tardia,

que siga as migrações distantes da borboleta monarca
que um dia sobreviveu ao inverno.

Hoje o dia amanheceu mais cedo, sequioso de claridade,
o mar ficou mais vazio sem ti,


[que o olhar dos barcos esteja sempre pintado na proa].





[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]