segunda-feira, 28 de maio de 2012

[… e enquanto me espraio longe



 …
e enquanto me espraio longe dos lusitanos areais
em mares tão distantes, para além dos imaginados,

acorda-me alguma canção sem refrão,
de um amor para sempre arrastado pela ondulação,

amor, ou desamor que ficou algures, nostalgia ou mesmo interdição,
mas o desejo ainda se mantem, assim, assim...

Tocam os sinos a repique, ainda os ouço à partida,
como um fado que revisito na memória, que se repete,

que se arrasta sem permissão,
e que invade, que sufoca ainda mais que a saudade.

Tão longa a longitude percorrida.

Rogo pela mansidão do amanhecer, sem sons ou síncopes,
doutos os que esperam sem pressas,
e que celebram o renascer sempre anunciado, que se repete,
e se multiplica pelo tempo,

eu, renuncio-me ao acordar,
e jazo-me,
longe dos lusitanos areais em marés distantes que se espraiam
por mim adentro,

[sem fim, sem ti, assim...].



quinta-feira, 24 de maio de 2012

[… satura-me o sonambulismo com que a noite se veste



satura-me o sonambulismo com que a noite se veste
e mesmo que se disfarçe no canto de uma sereia,

mantem-me o olhar distante, não me afaga de mar,

e tudo acontece sem inicio, repentinamente
sem cor, sem tempo delimitado.

Desilumina-se o céu, e o cheiro da terra
é moldado pelas mãos no barro, mãos sem sina,
sem ternura, mãos de pedra,
e da dor pergunto-me;
não a sentirei mesmo que me atravesse o peito

e se crave na mais profunda saudade?

Dá-me a chave da porta por onde a noite entrou,
desferrolha-a mesmo,

racha-a de vez, relembra-me como é
a luz do dia em sol,

e, enquanto o céu azul se inunda de mar em cor,
repara nas núvens, velas enfunadas,
soltas,

vogando sem pressa, sem pressas,
esperando, que o destino aproe a sotavento.

Queimam-se as imagens de tantas as miragens nenhures,
nas recusas a este crepúsculo, regurgito da luz frouxa,

impludo-me então,

mais uma vez,

[que a última seja].





[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]

quarta-feira, 23 de maio de 2012

[… e quando mais me aproximo do mar




 
e quando mais me aproximo do mar,
mais me quedo moribundo de ti,

aspiro as longitudes que determinam as distâncias rectas
como se o horizonte fosse apenas um ponto fixo,

e quando bebo do teu corpo
qual braço de rio que me inunda, aproveitam-se as orquideas
que levitam voando sem destino,

e eu,
sem sentido,
resto-me silencioso quando os teus gemidos
janela fora se libertam.

Geme-me o silêncio de mim.
Encabresta-se o corpo à dor do desígnio,
como uma penitência forçada,
fado que seja,

sabendo que mais de madrugada partirei,

na primeira vaga que se espraiar.

E quanto mais me aproximo do mar...


[repetir-me-ei, então, sempre].





[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]





segunda-feira, 21 de maio de 2012

[… e como sinto o vento que insiste



Eclipse do Sol Maio/2012 Foto Reuters

 …
e como sinto o vento que insiste em levitar-me pelas falésias acamadas como núvens escuras dispersas,

e como sinto o vento tocando-me a face

pelo sorriso nesta manhã adormecido,

adormeceram-se as longas distâncias,
adormeceram-se as longas histórias,
adormeceram-se as súplicas.

E como sinto o vento que insiste em repetir-se levemente,
como um linho que me toca,
qual algodão,

e como sinto o vento espraiando-se pela claridade
nesta terra castanha escura que piso,

como o sinto.

Reluzem as pegadas que o vento não levou,
o que restou do amor, talvez,

que as monções resistam nas tatuagens eternas do mar,
que a memória resista como o vento que insiste,

insiste,


ah... como insiste o vento em levitar-me de mim.




[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]





sexta-feira, 18 de maio de 2012

[… como a árvore arrancada


Vulcão Sinabung, Sumatra, Indonésia Foto Binsar Bakkara/AP

 …
como a árvore arrancada pela raiz
descansa imponentemente deitada, abriga

o que não se vê, como o que

sobra quando se escreve do amar,
será o que se sente?
partilhar-se-á alguma vez?
abrigar-se-à o verso?

Jamais saberei do vil fingimento das palavras mesmo as que nada significam, jamais se abrigarão na árvore que jaz imponentemente deitada, arrancada.
Jamais saberei dos vis sentimentos dispersos pela folha de papel em circulos. Esqueci-me dos violinos pela noite... ou do luar...

saberei que o inicio

do que não se vê, jaz num canto,
e pouco interessarão as frases repetidas como ecos,
que me esforçam, cansam-me o corpo.

Vã a viagem,

nascerão cinzas numa lareira pelo inverno,
que sejam as minhas,

a árvore arrancada pela raiz,
continuará a descansar imponentemente, deitada,
apodrecerá pela manhã.




[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]

quarta-feira, 16 de maio de 2012

[… despede-se o dia travestido

Corto Maltese de Hugo Pratt
 …
despede-se o dia travestido em noite aurora,
retornam as quedas de água,

cascatas, chuvas,

indivisiveis os regressos, invisiveis as sementes que então germinam sossegos.

Rodopiam luzes que não amanhecem,
insistem em ser decorações num bar de terceira

onde poetas ouvem choros dormentes,
sete vezes seguidas estagnados,
antes da primeira palavra cair no papel,

desfilam solidões sem face, dor? Que sejam em dor.

Faltarão as flores que os tambores
despetalaram,
faltarão os cantos que se querem de anjos,
mesmo

sem surpresa escurece ainda mais a noite,
e nas árvores arrancadas
germinam as cores esquecidas desiluminadas.

Num bater de palmas final os pássaros calam-se,
um fio de claridade invade o céu,

imagino-o alvo, límpido como o cristal,
por enquanto,

o azul tudo invadirá quando, as luzes

no final de mim,
se apagarem. Procurarei,

sim, porque não?






[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]

segunda-feira, 14 de maio de 2012

[despojam-se algumas estrelas...

Hugo Pratt

 …
despojam-se algumas estrelas dos fátuos brilhos,
que celestes sejam as ténues cores,

que os olhares

se quebrem silenciosos pelas teclas de um piano com cauda.

Ficará um, ou ficarão outros pontos

envolvidos pelo breve nevoeiro nenhures,

pensar-se-à então na imensidão de todos,
e os que rastejam [como serpentes, que sejam],
içar-se-ão contemplando os ecos que restarão das pedras angulares

despidas de tijolos.

Ao longe um breve azul colora as copas
que cobrem a floresta,

azul mar, azul céu, apenas azul,
que interessa

se os sinos já não tocam
anunciando as meias horas. Despojam-se alguns homens e mulheres da pele que os sufoca nos areais ainda em rocha,

esquece-se o tempo,
os corpos, o teu e o meu,

deixaram o tempo, o espaço
[desamarraram-se, desamaram-se].





[“do ciclo, as palavras não têm prazo de validade. “ Riva la filotea. La riva? Sa cal'è c'la riva?” (Está a chegar. A chegar? O que estará a chegar?)]


quinta-feira, 10 de maio de 2012

[Finalmente]

Soufrière Hills, ilha de Montserrat - Kevin West/Liaison
(que o vulcão irrompa rápido...)


I

que se terminem as saudades, os rios, e
que o mar seja chão de terra,

que o silêncio seja buraco negro no meio de nenhures
onde a luz é um fio de linho sem cor.

Renascam novamente as orquideas, os cravos vermelhos,
e que as pétalas sejam doces como o mel,

os pássaros que encontrem poisos nas árvores perfumadas em ilhas escondidas pelo poente do sol.

Que o circulo termine em fogo de artificio,
jamais num breve fogo-fátuo,

e,

se a terra parar por um instante que seja,
que os deuses a rodopiem como o pião das crianças.

II

[Finalmente]
descansam os ventos alisios no sopé de uma montanha que pariu
o rio em dor,

ininterruptos os ecos que se repetem, estranha
a noite que não termina, mas que terá um fim,

reina um luar enevoado, adormecem as flores nos vasos,
na terra,
talvez cantem algures algumas sereias desapaixonadamente,
e os olhares fixam outros olhares mais perto,

partirei, sim, partirei
com a primeira maré do amanhecer.




[Que seja finalmente, que seja, que se cumpra o ciclo dos ventos, das primaveras, de mim, talvez de ti meu amor, jamais o saberei, que o vulcão irrompa, finalmente].



...
[no fim do ciclo dos ventos, das primaveras, de mim, talvez de ti]




quarta-feira, 9 de maio de 2012

dos ventos

Golfinho, Açores, Portugal @ Paulo Ricca

I

e quando tudo terminar onde ficarão as palavras,
terminarão elas também?

Quero-me mar, querer-me-ei então som em silêncio,
aquele que range a alma,
aquele que sempre me suspendeu

no precipicio do promontório um dia,
ou noite, já não sei.

E quando isso acontecer, [que me interessa o quando]
nem saberei colocar a mão sobre as letras em forma de orquìdea,
ou aquelas outras em cor de cereja,

então,

querer-me-ei despido de mim, que a carapaça apodreça.

II

Dos ventos,

que seja,

querer-me-ei vento, não brisa, vento
forte,

furacão que limpe as lágrimas que ainda resistem,
e mesmo que o mar as tenha todas recolhido,

libertar-me-ei destas pedras angulares
que nada já sustêm, nem pó.

As crianças serão então livres, como o fui em tempos,
e regresso ao principio, ao ventre,

ao mar calmo,

serei então eu.

[Finalmente].






...
[do ciclo dos ventos, das primaveras, de mim, talvez de ti]



domingo, 6 de maio de 2012

de te esquecer

            O Beijo do Hôtel de Ville,Paris,1950 ©Robert Doisneau


I

silenciou-se o silêncio que faltava,
e mesmo quando queria mar,
lembrava-se do mar chão em maio pleno de primavera,

e nem as andorinhas que circulavam em rasantes,
destapavam um sussurro, um bocejo que fosse.

Queria ir-se sem o corpo deixar,

se conseguisse seguiria pelas fases da lua
direito aos trópicos do zodiaco,

silenciou-se o silêncio,
silenciaram-se as ondulações que abraçaram o afogar do grito adormecido,
e nem o cantar das baleias naquele instante

aquecia o corpo perto da fogueira.

II

De te esquecer
pensei em tantos dias sem fim, fuga,

talvez eternizasse o silêncio, ou o destecesse
em pequenas missangas vermelhas pelos corais onde adormeciamos

nas noites, e exclamávamos daqueles fogos de artificio
que tudo iluminavam.

Cansa-me o respirar, e os sons que tatuam a minha boca,
fogem quando os ventos norte sopram,

quão distantes os ventos norte,
quão distante sou hoje dos ventos todos.





...
[do ciclo dos ventos, das primaveras, de mim, talvez de ti]




quinta-feira, 3 de maio de 2012

mar

                       Orca branca adulta - Ferop/AFP


I

vogam alguns pedaços de madeira
flutuam sem rumo,
nem areal à vista,
nem ilha no horizonte perdido.

Sol que queima a voz seca, gretam os lábios
gastos de tantas palavras sem verbo,

que no principio era-o, sim, fora-o,
e o passado assume-se, reassume-se outras vezes,
adiam-se alguns descansos,

esqueço-me de pensar nos ventos tão perto de mim,
rio-me de um

II

mar que
recolheu todas as lágrimas, evaporou algumas
até paraísos distantes, muito distantes,
inexistentes como as preces,

para que serviram as lágrimas?

e mesmo de joelhos os homens perdoados dos nadas
[como se existissem]
ensurdecem o sonho que teima em fugir,
[não, não o deixo fugir hoje...]

ah...o sonho de uma noite que não tenha fim,
aquela onde fechei os olhos, sem temor,

e senti a pele, a tua pele na minha,
e navegaste-em sem portos, sem abrigos,
sem descansos, sem esquecimento, sem despedida,
sem tempo.

Procurarei por quem eu perdi,
essa voz silenciosa que me chama,

afinal, jamais me esqueci de te esquecer.








...
[do ciclo dos ventos, das primaveras, de mim, talvez de ti]


terça-feira, 1 de maio de 2012

as velas

Lago Bogolybovo, Moscovo, Russia @Denis Sinyakov/Reuters

I

fala-me dos nenúfares que as núvens
cobrem,

nos barcos naufragados em terra onde nasceram flores silvestres,

das cores soltas pelo pôr-do-sol
que levantam alguns ventos sem direção,
escondem-se outros.

[Ou...],

nessas palavras em que o verso grita sem destino,
aurora seja,
ou...

qual a cor do amar[?]. Pinta-o numa parede em ruínas,
eu,

II

as velas
libertam-se dos mastros de carvalho, regressam com as migrações
das aves,

liberta-me de mim,

e envolve-me o olhar cansado, arrastado-o como num tango em circulos,

os passos tocam-se levemente,
apenas levemente.

Sabes, eu nunca esqueci
porque sonhava naquelas noites com o mar,
era-me maremoto sem as margens que oprimiam, delimitavam.

Liberta de mim o mar que ainda me restou.







...
[do ciclo dos ventos, das primaveras, de mim, talvez de ti]