quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

[da chuva se diz de tempestade]

este meu mar que não sossega

da chuva se diz de tempestade,
quando nos molha,
da paixão se diz de traição,
quando os olhos se fecham,
um piano toca numa ilha,
e no olhar avermelhado
das nereidas,
implodem vulcões.
Em todos os cantos destes
mares afora,
em cada parcela de água,
refletem-se as estrelas
que se afundam, até aos abismos,
e hoje sinto-me assim,
e hoje sento-me, esperando-te,
assim,
numa espera infinita, eu sei,
como infinitos são universos
além deste meu mar, e como nestas
descobertas de mim,
sossega o corpo, enquanto
a mente anseia, sem descanso.

Das ansiedades se dizem de pressas.

Enquanto te espero,
nesta espera infinita,

desfaço os mundos construidos
em papel,
disfarço as mãos neste cruzar
dos braços,
e, nos bolsos,
ainda trago algumas conchas,
alguma lava, de um vulcão implodido
que afogou uma ilha, algures,
que destruiu um piano, qualquer.

[Implodi-me, olhando o olhar avermelhado das nereidas mudas...]
...
Ainda continuo a ouvir um piano, tocando, algures, 
enquanto te espero.




segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

[Há noites escuras]

The Gift - Primavera
(O meu irmão Guilherme escreveu-me, e enviou-me este video para eu ouvir. Só te consigo responder assim mano. Afinal não és o único que chora.)

Há noites escuras,
mais escuras que outras,
noites sem a lua dos amantes,
há noites que escrevo sem pensar,
tudo é possível, cometas
no quarto, corais na cama,
caravelas no copo de água
baloiçando,
noites.

Noites que removo o coração,
noites que dispo esta pele tatuada,
e o sangue espalha-se pelo
soalho, e o papel avermelha-se
também.

Há noites que escrevo nas paredes,
sentimentos,
histórias de alguém,
podem ser histórias minhas,
podem ser histórias,
e olham-me as sombras, assim,
apenas assim, que fazer?

Há noites que as saudades corroem,
queimam o que resta,
como labaredas desenfreadas,
línguas de fogo sem aurora boreal,
sem,
sem explicar.

Há noites tão escuras,
sem soluços, com todas as lágrimas,
que toda a minha vida me reaparece,
novamente, sim,
novamente,
só não a consigo agarrar,
só não a consigo tocar,
não consigo.
Há essas noites mais escuras ainda,
as noites das lembranças,
as noites das recordações,
esqueço-me dos dias,
esqueço-me do sonho,
esqueço-me,
e tudo revejo,
até a cor do dia,
até a cor daqueles dias
que antecedem estas noites tão escuras.
Há noites,
há tantas saudades,
são tantas as minhas saudades,
são tão escuras as noites.
...




["E sei dos teus erros
Os meus e os teus
Os teus e os meus amores que não conheci
Parasse a vida
Um passo atrás
...
quero ver-te sorrir"
The Gift Primavera]



domingo, 26 de fevereiro de 2012

[as maresias suspensas de ti]

Neve nas Montanhas Duckyu Coreia do Sul Jeon Heon-Kyun—EPA

Liberto-me devagar dos labirintos
que tocam esta pele gasta,
dispo-a, reconstruo-a de seguida,
sem sal, sem algas penduradas,
em cada pingo deste mar de
fevereiro,
encontro revolta dos deuses,
e do teu odor a canela espalhado
por tantos areais,
encontro maresias suspensas,
algumas gaivotas que resistem,
pouco mais que lembranças,

pouco mais.

Desfazem-se as redes que o mar
um dia levou,
nascem corais,
e as madreperolas aguardam
regressos.

Da pele que reconstrui, ficaram
todas as tatuagens.

[Encontrei, finalmente, as maresias suspensas de ti].



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

[canta-me]

Índia 1983 @Steven McCurry/Magnum



canta-me um dia destes
a música das espumas do mar
que cípria ensaiou erguendo-se,
canta-me logo,
liberta os pardais, os pombos,
alguns dos cisnes, e os cavalos
deixa-os no trote eterno, como loucos,
irei então, pisando as pedras escondidas
pelos mantos de lirios,
pelas pétalas soltas, dos
jasmim estrela,
que dispuseste em circulos.
Que cada subida não esconda
um precipicio meu, apenas um sopro
teu,
sussurrado, desconhecido, me basta,
e ao mar regressarei, para sempre,
canta-me um dia destes
na preia-mar, e enche-me de luares
em primavera,
liberta-me em fim, para sempre,
para sempre.
Escondem-se os caminhos, e das rotas
seguras dos navegadores,
libertam-se nenufares aprisionados
em rios parados no tempo.

No tempo do esquecimento,
renascem as perolas dos abismos
submersos,
renasço-me a cada maré,
renasço-me em cada saudade,
renasço-me.

[Canta-me um dia destes a música das espumas do mar. Canta-me...]




quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

[apenas quis]

Coluna de cinzas saindo do vulcão Etna, 2012,- @Davide Caudullo/EFE

Apagam-se algumas estrelas
e mesmo que sextantes as encontrem,
ficam vazios os horizontes,
desconhecidos, escreverei então,
perdi-me de ti,
desconhecia
como se encontram as águas,
como se de um rio nascesse mar.
Voam as sedas vermelhas além,
além do mar,
e no teu colo me deitava,
assim seja, dizias-me,
na imensidão de sonhos.
Quis-me o destino partida,
apenas quis,
nem uma gota de água transbordou
as margens só nossas,
onde banhávamos os pés cansados,
dos nossos caminhos, disseste-me,
no dia em que o beijo
afastou o vento norte.
Quis-me o destino partida
apenas quis,
sorriste quando escrevemos
poemas no areal que o mar,
um dia, escondeu,
recordar-me-às sempre,
disseste-me.
Jamais me esqueci do mar,
jamais me esqueci do nosso mar,
e hoje, escrevo-te amar,
apenas quis, digo-te,
apenas quisemos, dirás.



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

[E do mar tornaste-te rainha]

Tampa Bay, Florida, Furacões e Raios @Jeff Kinsey Alamy

E quando grito o teu nome
no meu,
regressam as breves ondulações,
as descaradas ondulações nas
ansias dos corpos perdidos,
encontrados paraísos, diremos,
repetiremos,
dos paraísos que tememos,
da saudade sempre presente,
e as noites voam,
e as noites voam sempre,
lentamente.
Quero o que não existirá,
jamais,
não é conquista, nem verão,
ou primaveras,
apenas uma brisa, nem palavra,
nem palavras que se encontram,
que tentam descrever os,
indescritiveis sussurros.
E do mar tornaste-te rainha,
não de copas ou de espadas,
apenas rainha de toda a
imensidão que sempre me cercou,
que sempre me foi gemea,
na noite dos pirilampos
rodeando faróis sem luz,
afastando-me de promontórios
afastando-me de perigos desconhecidos,
afastando-me dos furacões
que povoam os dias de cinza,
e quando acordamos das viagens,
e quando regressamos dos universos,
as noites claream,
deixam de ser escuras,
os cometas cumprem então destinos
até onde a vista alcança,
e tudo o que existe, que me envolve,
é-me suficiente,
então.
[Apenas paraísos, diremos: “apenas”].

...
algures num hemisfério,
norte ou sul, que interessa,
num hemisfério da lua,
nascem ilhas desertas,
no mare imbrium.




(...)
Mare Imbrium (latim 'Mar de Chuvas') é um vasto mar lunar, criado quando uma grande quantidade de lava encheu a gigantesca cratera formada na região da Lua onde se encontra, após o impacto de um objeto celeste com esta superfície há milhões de anos atrás. 


domingo, 19 de fevereiro de 2012

[e quando as tuas petalas caem]

Imagem do Carnaval em Veneza (Google)

e quando as tuas petalas caem
das nuvens azuis,
e quando as tuas petalas se
misturam com o mar,
os ventos que sopram sossegam,
as calmarias regressam,
os adamastores, em bojadores
floridos,
respiram os odores das madressilvas,
e das tulipas que lá plantaste.
Queria-se o poema assim,
apenas assim,
sem tormentas, vulcões,
sem tempestade, furacões,
e no tocar do teu cabelo,
e no tocar do teu seio,
e no colar-me ao teu corpo,
[nesse teu aroma de canela],
nasce um arco-iris na noite,
e rasga-a,
na escuridão do inverno.


Não sei se é amor, não sei,
nem sei de mim, não sei,
sei da ondulação do teu corpo,
desta minha tatuagem de ti,
sei, que
me ondeio nas tuas ondas,
sei, que
quando te penso, penso-te
mar,
sei, que,
sempre assim será.
[Queria-se este poema...assim],
apenas,
assim...


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

[Lá fora, o dia escurece]



Nos dias que se querem dificeis
os acordares,
descolam-se algumas núvens
que me entram pela janela,
povoam-me o quarto,
humedecem-me as plantas
plantadas nos vasos de vidro
transparente.
Alguns pássaros também entram,
e cantam,
e rodopiam em voos rasantes.
Quando a brisa da hora certa
irrompe, então,
tudo sossega,
tudo regressa ao tempo infinito.
Olho-te no vagaroso readormecer,
e no sorriso de mar, em primavera
sonhado,
sei-te recomeçar o sonho
interrompido.
No arco-iris que persiste em ficar,
escondem-se algumas borboletas,
e um nenúfar nasce no soalho,
em silêncios.

Lá fora, o dia escurece.