terça-feira, 31 de janeiro de 2012

[“-O mar o levou”]


Museum of Fine Arts, Boston. Gift of Jessie H. Wilkinson—Jessie H. Wilkinson Fund/Photograph © Museum of Fine Arts, Boston


Tantas as tatuagens na carne
que o corpo pintado, a negro,
se escondia sob a capa
dos traços,

como o rosário do peregrino
gasto pelas benevolências
invocadas, aplacando iras
desconhecidas,
flutuava o corpo pirata do
navegante nas águas quentes
de uma corrente salgada.

Quis a morte solitária, jazendo
no mar que o cobre como um
manto de linho azul,
corpo que segue as rotas
das marés,
e das conquistas e feitos,
abrigam-se no fundo do mar,
arcas, especiarias, cartas,
até tridentes ferrugentos.

Chora algures uma prostituta,
entre brindes carregados de
vinho, “-O mar o levou”,
cantará em sussurros na noite
escura de uma viela escondida,
amaldiçoando o sonho,
amaldiçoando a paixão.

Das viagens que continuarão,
sem destino, com destinos,
sem remorso, com remorsos,
[ou saudades, com saudades...]
ilhas desertas brilharão
no deserto do bravio mar,
quais oásis,

e das manhãs, visões sem fim,
reflexos solitários das noites
intermináveis de inverno,
repetir-se-ão os sons surdos
das aves migratórias,
repetir-se-ão as danças das baleias.

domingo, 29 de janeiro de 2012

[navegavam algumas nuvens]

Gustave Le Gray (French, 1820–1882), "Cloudy Sky — The Mediterranean with Mount Agde," 1856–59. (Credit: Museum of Fine Arts, Boston. Gift of Charles W. Millard III in honor of Clifford S. Ackley/Photograph © Museum of Fine Arts, Boston)

Navegavam algumas nuvens
soltas, pelo ceu nublado,
escurecia o mar, o mestre na proa
apontava bombordo.
Silhuetas de um penhasco algures,
traços de tão escuros,
de tão perto,
um bojador, onde adamastores
se escondiam, esperando,
esperando.
"- Adeus amor, adeus...",
sussurravam alguns,
se choravam, nunca se soube,
com a força do embate, pedaços
de madeira colorida
cobriram o mar,
levados para longe, como petalas de tulipas, de algumas margaridas, sopradas pela forte vento em remoinhos.
Saciam-se as marés.
Acordam alguns dos silêncios
desde sempre esquecidos,
e,
o ceu antes nublado,
é banhado pelo arco-iris
...
que criou raiz, no fundo do mar.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

[longe do verso]



longe do verso, ressaltam verbos
orfãos, cegos, que tateiam em
labirintos sem saída,

queixam-se as palavras,
admiram-se naturezas paradas
pelo tempo em telas douradas,
e a prima-dona ri, retratada
em silêncio, no silêncio.

Mendigos lutam contra a fome,
nas lixeiras dos restos opulentos
deixados pela abastança,
qual compaixão quando se fala
da sobrevivência,
e do vinho transformado
em vinagre, se brinda miséria.

Longe do verso, nascem sepulturas
nos desertos de tantas guerras,
e as crianças brincam, indiferentes,
futuros soldados, ninguém os viu,
ninguém os protegeu,

ninguém os avisou.

Do amor se escreve, da saudade
também, da tristeza se diz
inspiração, e quando o mar
tudo engole, se diz de azul,

balançam-se alucinações, misturam-se
sentimentos, desconfortáveis,
e a meio da folha alva, imaculada,
longe do verso,
quebra-se o aparo, escorre um
negro sangue sem destino.

Cantam nereidas, as que
vivem no lodo apelidam-se de
divindades,
e fecho os olhos imaginando
ilhas desertas, fugas, direi,
labirintos sem saída,
longe do verso, lá bem longe,
nos imprevistos do acaso.


[Finalmente a noite pariu... Nasceu o dia...

Aleluia.]

[Nenhuma visão apocaliptica nascia]



e se o inferno fosse um sitio
frio e gelado
nas profundezas de cada um?

e se o inferno existisse mesmo,
e se algumas vidas fossem os infernos?

Nenhuma visão apocaliptica nascia,
nem mesmo no horizonte da maré,
[o mastro rangendo, como que anunciando quebrar aos sopros fortes do vento de norte, sustinha uma vela enfunada],
bajulavam-se deuses sem fim,
alguns carnais, outros invenções,
do esforço se falava,
queriam os homens alguma paz,
como se depois da morte,
uma luz revelasse sossego,
perdão da morte, sono talvez.

De tantas guerras percorridas,
de tantos amores perdidos,
de tantas ilusões desfeitas,
juntavam-se heróicas cicatrizes,
[que o corpo guardava, quais medalhas, condecorações de sangue sugado a outros, aos mais fracos, alguns indefesos, e],
do temor pela tempestade,
cantavam escondidos nas núvens
invisiveis anjos e arcanjos nús,

a venda da justiça caíra.

Nas cartas de amor lidas, relidas,
ficavam os odores da canela, das
flores silvestres,
[restava a lembrança da noite onde o suor dos corpos impregnava a cama de cetim carmesim, labaredas sem faces visiveis],
sem faces visiveis.

Renasciam as piedades,as preces,
renascia o medo do além,
teme-se o além-mar.


[ dos sofrimentos deixados para trás em outros corpos que vagueiam sem rumo, se esqueçem os homens, imploram piedade com um sorriso.]

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

[expõe-se o homem no leme]


Abrigam-se algumas proteções,
escondidas por um manto suspenso,
prestes a esvoaçar sem destino,
expõe-se o homem no leme,

e é no mar que se encerram
as palavras, prolonga-se o circulo,
que se deseja quebrado.
Nascem areais desconhecidos,
detroem-se as ondas contra rochedos,
que resistem.

Acordam das profundezas sonhos,
viagens sem fim,
conquistam-se castelos inacessiveis,
com o raio da trovoada acendem-se pavios,
ilumina-se a tempestade,

expõe-se o homem no leme.


Resistem sentimentos, perdas,
até saudades,
pouco interessa,
nem o cinzento amanhecer
ilumina as sombras carregadas,
tão carregadas
que se arrastam como pedintes,
como putas velhas pelas vielas,
procurando algum vinho,
procurando algum calor,
vendo algumas aves que se protegem

expõe-se o homem no leme.

De nada serviram os avisos,
tantos os queixumes,
tantas teimosias, como se tudo
se conhecesse, mesmo o desconhecido
deserto de algas moribundas,
orgulhos,
superioridade momentanea, surdez,
e ao furacão repentino, devastador,

expos-se o homem no leme.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

[In primis]



do vento se dizem
os furacões orfãos, quando
em brisa de primavera
se transforma,

se diz do mar,
se as margens o apertam,

dos bafios que se querem leis
cerceia-se rente, a liberdade
do navegar,
tudo limitam, tudo se afunda.

No grito de uma única palavra,
nascem algumas pegadas,
nas finas areias de ilhas
desertas,

querem-se abertas as correntes,
da cegueira, da surdez,
dos horizontes curtos,
dizem-me,

apenas me dizem, pouco mais.

[In fine],
de tudo o que passou,
canta-se saudade num fado
repetido,
carpem poetas, nasce fata morgana
sob os mares calmos, gelados,
- miragem, dirão,

das margaridas que não nascem
no deserto,
do mar que não nasce da montanha,
riem-se falsos deuses invisiveis,
da cegueira, da surdez,
dir-me-ão.

[Desconhecem rotas nem com uma balestilha descobrem o azimute]
e assim se diz de naufrágio.



fata morgana - miragem no mar. Trata-se de uma miragem que se deve a uma inversão térmica. Objetos que se encontrem no horizonte como, por exemplo, ilhas, falésias, barcos ou icebergues, adquirem uma aparência alargada e elevada, similar aos "castelos de contos de fadas".

balestilha - Instrumento com que se toma a altura dos astros




sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

[do Naufrágio, diz-se]



Rasgam-se as velas,
como albatrozes voam mais alto,
mais longe,
e do vento que refresca
se amaldiçoa se teme desconhecido
além-mar,

desfazem-se sonhos uma vez criados,
pesadelos que se reúnem num circulo
de deuses irados, sombras
de tão salientes os bojadores,

cantam anjos negros, diz-se,
e as baleias submergem.

Gritam-se suplicas,
das promessas e das piedades
enfeitam-se os mastros, que rangem
como uivos do lobo negro enquanto
se despedaçam engolidos
pelas ondas sopradas a norte,

sacrificam-se no mar os homens,
agarrados a nadas, as redes
enrodilhadas de tanta
riqueza antes saqueada,
aprisionam os corpos que mergulham
sem regresso.

e quando o que resta de madeira
se desfaz contra as rochas,
laminas afiadas como lanças,
fecham-se os olhos
tudo escurece de vez.

Boiam os restos dos orgulhos,
da pilhagem,
na alvorada que raia,
as baleias voltam a emergir,
sonolentas,
dos anjos negros nem sinal, diz-se,
os que sobreviveram quis o mar
clemência,
olham infinitos.

Uma mulher chora, deitada no areal,
o mar que tudo lhe deu,
o mar que tudo lhe tirou,
acaricia-lhe o corpo.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

[das viagens]



...
das viagens que encontraram sargaços
cegam os olhos nos reflexos do mar,
esqueçam-se as memórias,
esqueçam-se os naufrágios,
esquecem-se as feridas,

das tatuagens escritas na pele,
por aquelas noites que em dias
se transformavam,
revocavam-se alguns apelos,
gritos adormecidos, sabiam-se
infinitos.

Pede-se o cantar da cotovia,
que anuncia primaveras,
que acalma o finito mar,
que aclara o azul celeste,
que anuncia tulipas vermelhas...

repetem-se os sons, tantos
os silêncios dos marulhares suaves,
tantos os sibilinos cantares da morte,
é dela que fugimos nos longos invernos.

Das distâncias que se repetem, incessantes,
perdem-se palavras que se afogam, vagarosas,
perdem-se alguns sonhos, descoloridos,
temem-se repetições sem nexo,

teme-se então, todo este mar.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

[Desaparecem incólumes,]



Dessas palavras que rasgam poesia,
desaparecem incólumes,
visões,
sonhadores,
navegadores,

aspiram eternidades poetas,
meretrizes,
mendigos,
de nada servem as ruas escuras,
as docas invisíveis,
as visões que acordam a noite.

Desaparecem incólumes,
nas lamas dos cataclismos,
proteções, grades,e do barro
se fazem as esculturas,
livres,
nessa liberdade que aprisiona,
aprisionou,

dos pássaros que morrem em voo,
se cantam odes ao mar,
apenas descansam nos cirros,
momentaneamente,
e a vista não os alcança,
jamais.


Desaparecem incólumes,
os fogos, algumas pessoas,
esqueço-me do ontem,
propositadamente,

então,
sigo rotas imaginárias,
,
desaparecem incólumes
alguns pirilampos, diz-se
que adormeceram,
iluminando
a face oculta do sol.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Orquestra Jovem da Bahia - Tico Tico no Fubá



Como é espectacular este video, música, cor, dança...

[Quer-se o mestre no leme,]




Quer-se o mestre no leme,
...
como se o didáscalo transmitisse
toda a paidéia, e toda a força
humana residisse apenas no saber,
como se os despojados e os escravos
não tivessem tradições,
e o poema morresse sem os vocábulos
eruditos,
clama-se da liberdade.

Quer-se o mestre no leme,
guiando um destino até para ele
desconhecido,
o vento apenas ajudava,
por vezes em rajadas fortes,
forte o destino,
infinda a conquista,
infindo o mar sem norte,

em circulares rotas desoladas,
das fugas da guilhotina,
ou da fogueira,
ou do fuzilamento,
ou da saudade,
infame a alma sem verbo,
apenas sujeito,
apenas urgências no horizonte,
porque se quer bem longe do fado,
porque se quer bem longe da partida.

Perdoam-se os criadores desconhecidos,
sossegam as águas revoltadas,
do silêncio e do temor
nascem os pesadelos das longas noites,

longas as noites que acompanham
até ao parir doloroso
de mais uma alvorada,
e tudo recomeça outra vez,
e nesta batalha sem fim,
quer-se o mestre no leme.

Sei que floriram os amores-perfeitos
e as violetas,
sei que estou longe de mim,
sei desta loucura sem respostas,
sei que te amarei até ao fim
dos tempos.

[no olho do furacão tudo acontece como um raio]

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

[Enfunam-se as velas]

                                                    
 ( o lado longinquo do Sol)



Entreabrem-se as portas de cedro,
o cheiro a resina molhada pelo mar
liberta-se ao acaso pelo casco,

querem-se as viagens sossegadas,
sem aquelas lembranças em saudades,
que o vento um dia transportou.

Enfunam-se as velas como os lírios
ondeados na planície deserta,
os lírios brancos aos molhos,
como os frutos do algodão,
do novo mundo.

Fecham-se os olhos de cansados,
gastos pelo que viram mar afora,
tentam-se algumas purificações,
teme-se a borrasca.


Renascem as palavras queimadas
nas fogueiras perto da aurora boreal,
que aqueciam o corpo congelado,
das cinzas brotaram algumas letras,
desconexas letras,
das tágides nem sei, larguei-as
num mar de sargaços,
agarrado ao leme, perdido,
perdido,
olhando estrelas desconhecidas,
que tudo queriam, até o ouro
do ladrão,
até o tédio do condenado.

Na escura noite onde o vinho
correu como um mar sem margens,
abro os braços como o gajeiro
no mastro avistando terra,
tudo tem um fim,
tudo teve um principio,

[morrem algumas nuvens... agora...]
renascem as palavras queimadas...agora...
reacende-se um farol...algures...


(como se o Sol tivesse um lado mais próximo...)

domingo, 1 de janeiro de 2012

Agulha e o Dedal




Mesmo com o passar dos anos, há lembranças que nos ficarão para sempre tatuadas.
"A Agulha e o Dedal", cena do filme "A Canção de Lisboa" de 1933, realizado por José Cottinelli Telmo, ( primeiro filme sonoro português), é uma destas tatuagens. E o diálogo, a mímica entre Beatriz Costa e António Silva são de facto supreendentes e superiores.

[acorda-me meu amor,]





como se apenas fossem o caim do outro,
lança que rasga a pele, a outra,
encerrados num qualquer cavalo de troia
que se incendeia,
e os corvos ao longe observam,
crocitam, preferem aguardar.

Nos bojadores escuros cantam algumas sereias,
canto mudo onde os gestos se querem
suaves, apenas gestos,
alguns encantamentos breves, depois
dos naufrágios, do disparar das bombardas,
e do crepitar da madeira em chamas,
silêncios.

E o amar foi encontrado num ocaso
tão deserto como um areal madrepérola,
virgem, impoluto,
e o ignoto mar revoltou-se das palavras
perdidas dos poetas ocasionais,

Rebolam-se algumas ondas contra
as rochas desgastadas, polidas,
escorregadias,
reconstroem-se algumas vidas,
reconstruo alguns sonhos
julgados desaparecidos,
do apocalipse reaparecem alguns
cavalos alados indomáveis,
as searas ondulam então,

acorda-me meu amor,
revela-me os corais, que ficaram longe de mim.